[RP] Be Strong

Em um mundo canibal, você não pode ser fraco. Você não pode entrar em choque toda vez que alguém for atacado ou passar uma noite de pânico temendo ser atacado ou ter pesadelos com luzes ofuscantes, explosões e sangue. Você não pode, em hipótese alguma, sequer fraquejar em pensamento — ou ao menos foi o que me disseram durante uma discussão dias antes, coisa que internalizei por muito tempo, não sabendo como lidar. Mas, para início, eu sabia que eram palavras verdadeiras... e sabia que ser fraco significava morrer.

Minha família, Sage, Dimitri... havia pessoas que eu magoava com o meu então modo de ser. Havia pessoas que pensavam diariamente que eu poderia cometer uma besteira por puro pânico, e não nego que já pensei nessa possibilidade. Foi por isso que eu resolvi mudar; eu precisava ser forte por eles e por mim, eu precisava enfrentar a minha realidade. E aproveitando essa deixa, alguém muito sádico parecia querer me impulsionar a algo que eu mesmo temia — reforçado por outras mensagens enviadas no dia da festa no lago, que ainda me causavam pesadelos —, algo tão cruel que eu temia poder estilhaçar a minha mente e a minha alma num mesmo segundo.

"Sabe, aquele garoto, Dylan, o popularzinho... Ele está se achando demais. Estou muito afim de atingi-lo e felizmente eu não tenho ainda a cabeça de um menino tão popular em meu inventário. Aquele rostinho lindo e sedutor, aquela carinha de quem tem tudo que quer. Preciso matar ele e preciso da sua ajuda. Mate Dylan Schwartz Devonshire ou será sua cabeça que vai entrar no meu inventário. Estou sendo clara? Você tem exatamente 10 dias!"

Dos dez dias que eu tinha, três eu gastei para saber se mais valia morrer ou matar. Outro nome ali poderia me fazer cometer instantâneo suicídio, como Dimitri Forchhammer, Georgia Böhrn Feuerschütte ou Sage Hathaway, mas não o tal Dylan, um garoto que eu conhecia de vista pelo campus e sabia do nome por amigos em comum. Por outro lado, não queria acabar com a vida de ninguém, não queria fazer outras pessoas sofrerem de uma maneira tão vil como essa.

Você não pode, em hipótese alguma, sequer fraquejar em pensamento. Era verdade. Eu não podia, não mesmo. E não iria.

No quarto dia eu estava decidido a aproximar-me dele. Foi na biblioteca, quando nos vimos por acidente e eu não tão acidentalmente assim esbarrei nele, puxando um assunto qualquer logo em seguida. "Ei, você é o Dylan, não é? Não foi ao bar semana passada? Minha irmã disse que achou um casaco de um Dylan por lá, ou ao menos disseram ser esse o nome do cara. Olha, ela é essa daqui..."

Só precisei de uma bota foto dela — da maneira mais sensual que pude encontrar — e estava feito: ele parecia babar na tela do meu celular. Como desculpa, fomos procurá-la, e eu tinha ensaiado com ela aquela cena, alegando que precisava me aproximar de um garoto bonitinho de quem eu estava gostando e realmente queria a sua ajuda, usando-a como artifício para isso.

Não tardou para nós três termos uma conversa hilária. Dylan, afinal, era mesmo carismático; e seria uma pena planejar o que eu planejava, ainda que fosse por pura necessidade. Era ele ou eu. Pensando nisso, também o chamamos para ir à nossa casa e uma vez ao bar, além do clube. Assim, no nono dia, eu já estava a me considerar amigo do Devonshire.

Você não pode, em hipótese alguma, sequer fraquejar em pensamento, voltava a ecoar na minha mente enquanto eu andava de um lado para o outro no meu quarto, aguardando o momento certo para sair de casa. O meu destino era novamente o lago. Pedi segredo a ele alegando ainda estar muito traumatizado e precisar superar isso, contando com alguém que não estivesse ligado em minha memória à tragédia daquela noite — vulgo ele mesmo. Pedi, também, que inventasse uma desculpa para sair de casa, enquanto eu dizia que ia me encontrar com Dimitri à minha mãe; e eu iria logo depois daquilo.

Vinte minutos antes do horário marcado, eu corri para o lago. Era fim de tarde, quase anoitecia — e a desculpa era a de que precisava ser à noite —, então não havia basicamente ninguém no local, teoricamente. E foi o que constatei: sendo pela fama que o lago tinha, sendo pelo fato de estar quase de noite, só havia eu ali, e muito em breve Dylan me faria uma sangrenta companhia.

— Vamos lá... — impacientemente resmunguei. Cheguei perto da margem e, trêmulo, esperei que ele aparecesse. Não se demorou muito. Abri um sorriso tímido enquanto ele se aproximava, preparando-me para o meu bote: como usava uma camisa de mangas longas, segurava uma pequena faca abaixo da manga esquerda (repuxada até a palma da minha mão, com a visível pretensão de enganar o frio), deixando sua lâmina deitada de maneira frouxa bem perto da minha pele, com todo o cuidado para não me ferir. Como previsto, abracei-o, o garotinho fragilizado que precisava de um ombro amigo.

Na oportunidade perfeita, puxei cuidadosamente o cabo da arma com minha mão direita e segurei-a com firmeza antes de, rapidamente e antes de qualquer percepção do garoto seguro em meus braços, tentar desferir uma série de golpes profundos e ágeis em suas costas, buscando acertar na altura do coração e do pulmão para que ele ficasse avariado demais para resistir. A seguir, distanciaria-me o suficiente para tentar acertá-lo no pescoço ainda usando a faca, mais especificamente perto da aorta, como bem lembrei antes de colocar meu plano em prática, esperando causar uma morte rápida, ainda que sangrenta.

Seria algo sutil em um primeiro momento e se tornaria uma digladiação logo depois, porém me parecia o certo para o momento, por mais que depois milhões de ideias melhores pairassem diante de mim, principalmente se aquilo acabasse por se tornar algo muito mais violento do que o esperado.

Eu sabia que não seria fácil, é claro que sabia. Sabia que ele poderia — e certamente iria — resistir, por isso tentei algo tão rápido, inesperado e danoso. No entanto, caso ele ainda fosse me atacar, eu sabia o que fazer: como meu oponente estaria desarmado, a minha saída seria esquivar a todo custo, evitando que ele me causasse um dano qualquer, usando minhas habilidades de luta (ganhas após muito esforço para superar espancamentos na escola) e a minha inteligência naturalmente desenvolvida, além da minha desenvoltura corporal.

Daí em diante era rezar para o assassinato não se virar contra o assassino.

Ver seu sangue jorrando fazia o meu próprio jorrar por dentro. Ver sua vida se esvaindo fazia querer com que a minha própria fosse junto. Tudo isso em meu âmago. Mas, por fora, eu era uma máquina incessável de matar: eu precisava tirar a vida dele para poder manter a minha e a de quem eu mais gostava, eu precisava...

Foi por isso que mesmo depois de cair ao chão, empurrado por ele, eu tentei levantar-me o mais rápido que pude e pular sobre ele, visando derrubá-lo no chão, para por fim dar a facada de misericórdia em seu olho, buscando atingir seu cérebro. Sabia que ele morreria mesmo sem aquilo — pois dava para ver pela quantidade de sangue que se esvaía e sujava-me —, mas não queria que ele agonizasse, não queria que ele sofresse mais por aquilo do que o necessário, ainda que isso fosse preciso para o meu próprio bem.

E mesmo que ele resistisse, eu estava pronto. Ele estava atordoado demais para sequer ousar algo, e mesmo que tentasse as minhas condições melhores do que as suas me fariam esquivar, uma vez que eu estava muito focado, atento ao meu redor. E havia sido rápido, também; ele não tinha escapatória.

— Não resista! — implorava para ele enquanto conduzia minhas ações. Aquilo só pioraria tudo para ele. Meus planos não envolviam um ataque sanguinário, mas ele me fazia ser assim, seja empurrando-me e causando um pequeno corte na minha mão, seja por não desistir em momento algum. Ele só precisava entender que eu tinha que fazer aquilo, tinha...

Ele agonizava. A cada gota de sangue que se esvaía, uma lágrima corria por minhas bochechas, tornando aquela morte muito mais dramática do que eu realmente achei que seria. Afinal, quase nada saiu como nos meus planos: apesar de ter conseguido dar um abraço mortal no meu então amigo, preferindo a minha vida no lugar da dele, e de ter também cortado seu pescoço, ele não desistiu; pelo contrário, ele lutou, gritou e esperneou, tentou jogar-me para trás e escapar do seu destino já traçado.

Foi duro ver os movimentos daquele corpo pararem aos poucos de me atrapalhar. Foi duro mais ainda vê-lo inerte com uma poça de sangue abaixo de si, o qual fluiu de suas costas, de seu pescoço e de seu olho direito. Ademais, a única coisa dura de suportar foi o sangue sobre mim, que parecia arder em meu nariz, acusando-me do assassinato que eu tinha acabado de cometer.

Desmontei daquele corpo e fiquei de pé olhando para o cenário de mais um assassinato naquele lago. Sabia que precisava me livrar do corpo, ou dar a entender que eu estava bem longe daquilo. Sabia que poderia ser acusado e preso pelo resto da minha vida se fosse descoberto... e foi por isso que saí dali às pressas, aplicando facadas seguras por meu corpo, fazendo-me sangrar como se fosse uma vítima.

Um carro parou alguns metros após a minha caminhada. Eu não conhecia seu motorista. Ele, alarmado com as minhas condições, saltou de seu veículo e perguntou-me o que tinha acontecido, ao passo que atuei como nunca: disse que Dylan havia sido atacado e que cheguei a tempo de ver o assassino dando-lhe as facadas finais, o qual passou a me atacar em seguida; mas parecia que eu não era o alvo, que me matar não estava em seus planos, e por isso ele fugiu. Eu disse que segurei o corpo do meu amigo já sem vida... e disse, também, que corri para pedir ajuda, pois estava sangrando.

O homem chamou a polícia. Eu liguei para Dimitri, que logo chegou para me confortar. Também liguei para a minha mãe, avisando o que tinha acontecido e que eu ficaria bem, pois uma ambulância estava a caminho. Junto de Dimitri e um policial, fui para o hospital da cidade às pressas, recebendo atendimento para os meus ferimentos e já sendo interrogado quanto ao que aconteceu, cuidado tomado pelo delegado. Mas eu já tinha uma história pronta, já tinha repassado na minha mente mil vezes. Eu não sairia como suspeito daquilo.

Mais tarde fiquei sabendo que o corpo sumiu misteriosamente. Eles coletaram o sangue das minhas vestes e detectaram ser mesmo de Dylan, chegando à conclusão de que eu falava a verdade, e analisaram também a arma do crime, mas não encontraram nenhuma digital além da minha — afinal, para todos os efeitos, aquela arma havia sido cravada em mim e eu precisava retirá-la em algum momento.

Afinal, eu tinha conseguido. Havia sido forte. Havia me tornado forte. Havia superado meus medos para manter a minha vida, por mais que tivesse tirado uma vida nesse "crescimento". Eu não me arrependia de nada, pois estava tudo bem com todos ao meu redor, estava tudo bem comigo mesmo. E tudo se manteria assim, para sempre, ou ao menos sempre que dependesse da minha vontade. Eu não seria fraco mais uma vez.